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Dia Nacional da Visibilidade Trans: 1º professor transmasculino da Unifesspa fala sobre a importância da data

  • Publicado: Segunda, 29 de Janeiro de 2024, 16h20
  • Última atualização em Segunda, 29 de Janeiro de 2024, 16h32
  • Acessos: 1030

card visibildade trans 2024Desde 2004, é comemorado anualmente no dia 29 de janeiro o Dia Nacional da Visibilidade Trans, que representa o reconhecimento e a luta pela igualdade de direitos para pessoas transgêneras. Para lembrar a data, o site Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz) ouviu Dom Condeixa de Araújo, jornalista, assessor de comunicação e primeiro professor transmasculino da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa); Denise Taynáh Leite, mulher não-genética preta e carioca, militante e ativista, secretária executiva do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBTI+ do Rio de Janeiro; e Tatiana Clébicar, mulher cis, pesquisadora e jornalista que em sua tese premiada aborda “como vêm sendo construídas as formas de visibilidade de identidades trans no Brasil”. 

Todes falaram sobre a importância da data, as propagandas que pretendem representar a população transgênera do Brasil, os avanços e dificuldades no acolhimento do SUS e a mensagem publicitária que gostariam de ver e ouvir nesse dia 29 de janeiro. Saiba o significado de alguns termos usados nesta matéria, clicando aqui

Data especial -  A ex-aluna do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS), do Icict, Tatiana Clébicar, que pesquisou a importância do Dia Nacional da Visibilidade Trans, explicou que a princípio, a data “não era o recorte delimitador de sua tese”, mas que ela foi assumindo um lugar de destaque, por todo o simbolismo que carrega. “O 29 de Janeiro é uma inteligente e oportuna construção dos coletivos trans, que contribuiu para reforçar necessários avanços nas questões de gênero. É um marco num processo cujas lutas vêm de longe”. 

Dom Condeixa concorda e destaca que a data é “uma oportunidade de estarmos nos veículos de comunicação, pautando aquilo que de fato é importante para nós. Aproveitando o espaço para contar, a partir dos nossos relatos, nossas histórias de vida, nossos desafios e, sobretudo, mostrando que todos, todas e todes nós temos uma vida comum”. Segundo o professor da Unifesspa, “a exposição, ainda que numa data específica, também ajuda outras pessoas trans a sentirem pertencimento”. Para ele, uma pessoa transmasculina (1), “a questão trans é apenas uma característica, mas, que ainda é preciso avançar”. 

Pelo seu ativismo e militância, Denise Taynáh tem uma visão bastante objetiva do que é data: “significa o dia em que lideranças trans e travestis, iniciaram o processo de reivindicar os nossos direitos, sociais, médicos, trabalhistas e que até hoje continuamos a lutar por eles”.

Campanhas e representações - “Pensar na comunicação e nas estratégias possíveis de manter movimentos sociais mais visíveis”, essa frase da pesquisadora Áurea Pitta, citada por Tatiana Clébicar em sua tese, vem ao encontro do trabalho feito pelo governo federal ao longo dos anos, resultado das lutas da sociedade civil, em especial as organizações de transgêneros e travestis. 

Na análise feita por Tatiana, as campanhas “iluminaram a questão trans no espaço público de forma institucional e, em muitos momentos, responderam aos anseios dos movimentos sociais”. Por outro lado, o olhar da imprensa para as campanhas também foi mudando. “A cobertura mudou no espaço dedicado ao tema e no modo de vê-lo. Aumentou o interesse pela pauta, mesmo quando as campanhas governamentais escassearam entre 2018 e 2022”, explica Tatiana. Segundo a pesquisadora e jornalista, “em termos de enquadramento, houve um movimento de superação de estigma, que resvalou na armadilha do exotismo e da ênfase nas violências sofridas. Recentemente, contribuições de personalidades trans na cultura, ciência e política ganharam destaque. Por outro lado, experiências individuais passaram a ser mais valorizadas do que as construções coletivas”.

Necessidades e demandas - Mesmo com a evolução das campanhas e o espaço obtido na imprensa sobre as questões trans, “ainda há necessidades e demandas a serem atendidas” para as campanhas e a publicidade governamental, segundo Tatiana e isto se reflete na resposta de Denise Taynáh, que vê o seu sentimento de representatividade oscilar conforme a elaboração das campanhas: “em alguns momentos sim, em outros não”.

Condeixa é mais enfático e observa que “falta muito para que nós nos sintamos representados. As propagandas e campanhas, via de regra, resumem os indivíduos a um tipo. Há diferentes formas de ser uma pessoa trans”. 

Dom argumenta que a questão trans é muito diversa: “por exemplo, eu me descobri uma pessoa transmasculina com mais de 50 anos. Eu não me vejo como um homem trans e sim, uma pessoa transmasculina. Fui uma mulher lésbica até outro dia. Nem sempre sabemos tudo sobre nós. A sociedade precisa entender que gênero e orientação sexual são coisas distintas. Nem todes nós queremos fazer qualquer transformação corporal, eu não pretendo fazer qualquer alteração corporal. A partir do momento que me identifiquei como uma pessoa trans, emagreci 24 kg, cortei o cabelo, mudei de estilo de roupa e passei a fazer atividade física. Há diferentes formas de viver a transexualidade.” 

Políticas e educação - A secretária executiva do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBTI+ alerta para outras questões também importantes para a população trans: “existem projetos de lei no Senado que estão engavetados, há no Judiciário uma demora na decisão de algumas ações, embora tenhamos tido um avanço, e no Legislativo, uma falta de cumprimento das leis, portarias etc.” Além disso, Denise Taynáh especifica a questão religiosa, que vem dominando os governos em nível local e nacional: “no âmbito federal e nos estados e municípios, ficamos atrasados quando a governabilidade é exercida pelos governos neopentecostais”.

Para que essa representatividade seja efetiva, a prioridade seria a educação. Tatiana chama a atenção que “não é apenas uma questão de representatividade: “é mais do que isso, é existência, exercício de cidadania. Representatividade apenas não basta”, defende. Para a jornalista, “é necessário articular que os efeitos da falta de proteção às populações trans começam muito cedo, desde a escola”. Daí, ser “preciso assegurar o ingresso e a permanência de crianças, adolescentes e jovens trans nas escolas e nas universidades. Esses espaços precisam ser acessíveis, seguros e acolhedores para todes”, argumenta.

SUS nosso - Um dos pontos críticos apresentados pela população trans é o atendimento no Sistema Único de Saúde. Se por um lado, o cartão SUS com o nome social é algo aplaudido, por outro o atendimento ainda deixa a desejar. Na pesquisa feita por Tatiana Clébicar, os lados positivo e negativo do atendimento também se sobressaem. “É difícil pensar no SUS como uma realidade única e homogênea. Por exemplo, na tese, dois homens trans partilham experiências diferentes”. Mesmo assim, ela vê acertos: “apesar das dificuldades na implantação e democratização do acesso ao chamado “processo transexualizador”, o SUS atuou como aliado das populações trans, protagonistas dessa construção, ao enfocar questões de saúde em sentido ampliado como o direito ao uso do nome social. Foi a primeira instância governamental a adotá-lo formalmente”. 

O uso do cartão SUS com o nome social no dia a dia dos atendimentos é importante para Condeixa: “indica que você é respeitado”, ressalta, mas a prática ainda precisa ser aprimorada. O professor da Unifesspa dispara: “para começar, a recepção de pessoas trans nas Unidades Básicas de Saúde, Postos de Saúde, Clinicas e Hospitais é bem ruim. Não estão preparados para lidar, por exemplo, com o nome social, com a questão da passabilidade. A equipe médica, de enfermagem e os demais profissionais, muitas vezes, não recebem a formação adequada. Então, na minha opinião, um grande problema é o atendimento, não existe formação para os profissionais de maneira geral. Não há acolhimento!”.

Ponto de vista que é reforçado por Denise Taynáh: “ainda há um ajuste em referência a prática do cartão SUS com nome social, porque aconteceu comigo de, ao apresentar o cartão com meu nome, no sistema aparecia o meu nome masculino, porque está associado ao número do CPF, e é muito desagradável quando isso acontece numa unidade de saúde estadual ou municipal. É preciso urgentemente regularizar o ‘SUStema’”. 

Outro ponto de levantado por Denise é a própria  política voltada para as pessoas trans: “a falta de medição disponível na rede pública estadual e municipal para atender homens e mulheres trans, principalmente as pessoas que vivem em periferias sem condições financeiras para comprar os medicamentos e a falta de dos hormônios para quem está no sistema prisional. Outro fato é a transparência nos procedimentos para as cirurgias de resignação e de mastectomia”, desabafa. Ela  chama a atenção também para a necessidade de “programas de amparo às pessoas trans idosas e pessoas trans com deficiência”.

 

Se pudesse fazer uma peça publicitária sobre o dia Nacional da Visibilidade Trans, qual seria a mensagem que você traria nela?

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Créditos: Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)

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