Ir direto para menu de acessibilidade.

GTranslate

pten

Opções de acessibilidade

Início do conteúdo da página
Últimas notícias

Professor da Unifesspa apresenta visão crítica sobre terremotos na Cidade do México

  • Publicado: Terça, 17 de Outubro de 2017, 10h23
  • Última atualização em Terça, 17 de Outubro de 2017, 10h33
  • Acessos: 2208

O professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Fernando Michelotti, lotado no Instituto de Estudos e Desenvolvimento Agrário Regional (IEDAR), divulgou à comunidade acadêmica e à sociedade uma visão crítica sobre o recente terremoto registrado na Cidade do México. Atualmente, o professor está fazendo sanduíche de doutorado na referida cidade, estudando Planejamento Urgano e Regional, e por essa razão, pode vivenciar de perto, a partir de um intercâmbio com grupos acadêmicos críticos e com militantes populares, o acontecimento trágico marcado por negações de direitos.

Com o título "Por Trás dos Escombros: outra visão dos terremotos na Cidade do México", o texto apresenta uma reflexão sobre outros pontos de vista e narrativas, tomando como exemplo o vídeo “Terremotos no México: brigadas autônomas frente ao desastre”, disponível em https://archive.org/details/BrigadaAutonomaFrenteAoDesastre. O artigo divulgado pelo professor é também um convite para assistir ao vídeo produzido pela Coordenação de Mídia Livre da Cidade do México. 

"Gostaria de socializar com a comunidade um vídeo e um breve texto que apresentam um outro olhar sobre o terremoto, que raramente aparece na grande mídia. Apesar de uma realidade aparentemente distante da nossa, acredito que contribui com elementos mais amplos para se pensar o momento crítico de negação do direito à cidade, também muito comum em nosso país", justificou o professor.

 

Confira a íntegra do texto e assista ao vídeo:

 

Por Trás dos Escombros: outra visão dos terremotos na Cidade do México

                                                                                            

Quando Fernão Cortés subiu no alto do passo entre os vulcões coroados de neve e olhou para baixo sobre a incrível cidade insular de pirâmides e passagens, o imenso vale central entre as cadeias de montanhas [...] o que estava para acontecer, enquanto ele e seu exército, e os grupos locais descontentes que eles tinham recrutado pelo caminho, marchava, sobre Tenochtitlán, era o encontro de duas estórias, cada qual já com seus próprios espaços e geografias ... (Doreen Massey - Pelo Espaço, p. 177)

As notícias sobre eventos como o terremoto que atingiu o México em 19 de setembro passado tendem a apresentá-lo como ‘desastre natural’, como fúria incontrolável da natureza, desconectada de qualquer análise das relações sociais que lhe são intrínsecas. Vivenciar um evento como este, não apenas desde dentro, mas ‘desde abajo y a la esquierda’ no dizer do movimento indígena mexicano, a partir de um intercâmbio com grupos acadêmicos críticos e com militantes populares, permite refletir sobre outros pontos de vista e outras narrativas, como a que se apresenta no vídeo “Terremotos no México: brigadas autônomas frente ao desastre”, disponível em https://archive.org/details/BrigadaAutonomaFrenteAoDesastre Este breve texto, na verdade, é um convite para assistir a esse vídeo produzido pela Coordenação de Mídia Livre da Cidade do México que me foi apresentado por Rodrigo Yedra e Anna Garrapa.

Os efeitos do terremoto na Cidade do México não são iguais em todos os lugares da cidade. Tenochtitlán, a ‘incrível cidade insular de pirâmides e passagens’ construída pelos mexicas/aztecas, ocupava dezenas de ilhas em meio ao imenso lago Texcoco, interconectadas por passagens e canais, que garantiam o manejo das águas para ocupação, mobilidade, abastecimento, pesca e agricultura em ilhas artificiais chamadas chinampas. A nova geografia da Cidade do México, transformada pelos herdeiros de Cortés, sofre com o trânsito caótico que limita a mobilidade urbana e com a falta d’água. As áreas centrais, erguidas sobre o lago drenado, são as mais vulneráveis durante os terremotos e aí predominam os desabamentos. Mesmo com essa vulnerabilidade, as normativas para disciplinar as construções na cidade vêm sendo sistematicamente modificadas ou simplesmente  desrespeitadas, com a conivência do poder público e sob a pressão e corrupção da especulação imobiliária e das grandes construtoras. Parte dos edifícios que agora desabaram foi construída após o grande terremoto de 1985, em que morreram mais de 10 mil pessoas, e, portanto, deveriam ter sido erguidos respeitando regras muito mais rígidas de segurança para aguentar um terremoto de até 8,0 graus na escala Richter.

Em certos bairros populares – reconquistados pelos herdeiros dos povos originários – nas antigas periferias localizadas sobre sólida rocha vulcânica, teme-se mais as imobiliárias e construtoras do que os tremores. Para os moradores do Pedregal Santo Domingo, mobilizados para barrar a construtora Quiero Casa que insiste em drenar um manancial de água que jorra entre as rochas em seu bairro para erguer um grande edifício, o terremoto é sinal de que a pressão dessas empresas sobre seu sólido bairro deve aumentar, assim como suas lutas!

As preocupações com a pressão de gentrificação de seu bairro popular e suas casas autoconstruídas, que permaneceram intactas, não impede os moradores acampados em frente a esta obra de se somarem às brigadas de solidariedade na busca de sobreviventes e de organização de recolhimento e distribuição de víveres, medicamentos e roupas para desabrigados. Em toda a Cidade do México, o trabalho voluntário de milhares de pessoas logo após o tremor foi impressionante, contagiante e fundamental para o resgate dos 

sobreviventes e o cuidado com os atingidos. O vídeo retrata essa mobilização, essa entrega voluntária e essa capacidade de auto-organização. Os limites das instituições estatais de responderem a todas as demandas e necessidades causadas pela tragédia reforçam a ideia de que a cidade só pode ser viável se houver uma participação ativa e efetiva de toda a sociedade civil. E essa participação é pedagógica, revela urgência de agir, mas também a necessidade de auto-organização, de aprender a gerir a cidade em um contexto de caos em que as bicicletas se mostram muito mais ágeis que veículos.

Enquanto as principais ações de governo se concentram em pontos com alta densidade midiática, como ilustrou a presença do presidente do país e do alto comando militar nos resgates em uma escola de crianças, grande conjunto da população segue mobilizando-se e descobrindo-se não apenas como força de trabalho que reconstrói a cidade, mas também como força política que pode projetá-la e coordená-la.  Por isso, o governo e o capital têm pressa em retomar o controle, para que todos voltem ao seu trabalho diário subordinado à produção de mercadorias e que as próprias áreas de desabamento sejam transformadas, elas mesmas, em mercadorias disponíveis para nova acumulação imobiliária. E, sobretudo, para que as pessoas esqueçam que podem autogovernar a cidade.

Governo e empresas mal esperaram finalizar o cumprimento das 72 horas, definidas segundo critérios internacionais, para decretar que não havia mais sobreviventes. Com isso, querem que o trabalho cuidadoso de milhares de voluntários retirando escombros – pedra após pedra – seja substituído pelas máquinas pesadas das grandes construtoras. Há pressa para limpar a área e recomeçar as construções, liberar as vias de acesso e a força de trabalho para recomeçar a acumulação, pouco importando se ainda há vida sob ou sobre os escombros! Assim, o que era a pura solidariedade das primeiras horas foi se transformando em resistência ... para manter os trabalhos de resgate, para impedir a entrada das máquinas e, quem sabe, para garantir que o processo de reconstrução não signifique expulsão e gentrificação. 

O sindicato das costureiras que se formou após o terremoto de 1985, justamente para organizar o resgate e a sobrevivência naqueles dias, segue em luta até hoje e, como mostra o vídeo, está em plena ação no momento atual. Ilustra, assim, que a memória de um evento como esse não se apaga facilmente, seja pela dor das perdas, seja pela experiência de construção de poder popular em meio ao caos.

CDMX, outubro 2017.

Fernando Michelotti

[1] Agradeço a Rodrigo e Anna não apenas pelo vídeo, mas por me receberem e me apresentarem a Cidade do México em suas múltiplas expressões. 

 

Fim do conteúdo da página