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Atuação de mulheres e homens negros na Guerrilha do Araguaia é analisada em estudo de docente da Unifesspa

  • Publicado: Terça, 28 de Março de 2023, 11h00
  • Última atualização em Terça, 28 de Março de 2023, 17h45
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Pesquisa destaca a participação de lideranças negras no episódio, considerado um dos mais sangrentos da ditadura militar brasileira

 

a guerrilhaUma das estratégias de manutenção do racismo no Brasil foi a de invisibilizar o negro em diversos episódios da história ou, quando não, relegá-lo a situações nada favoráveis. Esta invisibilidade ficou também evidente durante a ditadura militar, num dos eventos mais sangrentos da resistência ao regime: a Guerrilha do Araguaia (1967-1974), a luta entre integrantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e as Forças Armadas.

O historiador Janailson Macêdo Luiz, no entanto, busca lançar um novo olhar sobre o evento histórico a partir da importância da participação de pessoas negras, homens e mulheres, naquele período. “Não apenas isso, mas também destacar que houve uma sub-representação, seja na historiografia ou no debate público”, como destaca o historiador em entrevista concedida ao Jornal da USP.

Como lembra Macêdo, o confronto, que aconteceu ao longo do Rio Araguaia, teve grande impacto junto a moradores da confluência dos estados do Pará, Maranhão e atual Tocantins. “Foi a partir dos anos 1960 que este local recebeu milhares de migrantes, muitos negros, que chegavam à Amazônia Oriental buscando acesso à terra”, conta o historiador, autor do estudo de doutorado Lutas pela autonomia, sonhos de revolução: Uma história da participação negra na Guerrilha do Araguaia (1972-1974), que teve a orientação da professora Maria Helena Pereira Toledo Machado, defendido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

As pessoas migraram para aquela região atraídas pelo então plano de integração nacional do governo, nos anos 1970. “Começavam a construção da Transamazônica, as minerações e o avanço da fronteira interna. Muitos negros vieram para a região e isso impactou a população local”, como 20230327 janailsonconta Macêdo, acrescentando que, entre as tradições negras daquela migração que ele denomina campo/campo, veio também o terecô. “Trata-se de um culto de origem africana muito praticado no Maranhão, de onde veio boa parte dos migrantes negros”, descreve.

Invisibilidade negra

Desde os primeiros movimentos de migração dos negros à região, já ocorria o processo de invisibilização, segundo o historiador. Em seus levantamentos, Macêdo buscou dados no censo do ano de 1970. “Os dados, porém, não citam a população negra. Até porque o regime militar retirou do Censo, naquele ano, a qualificação cor”, relata.

A pesquisa teve início em 2014, quando Macêdo passou a exercer a docência em História na Universidade Federal Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), em Marabá (PA). Contudo, desde a sua graduação ele já estudava as populações negras. Em Marabá, ele percebeu que a presença negra e as histórias sobre o conflito ainda estavam muito presentes. “Foi quando decidi reunir informações, conversando com moradores locais e ouvindo histórias sobre negros e negras que participaram do conflito”, diz.

Um dos mais citados e lembrados, como conta o historiador, foi o guerrilheiro negro Osvaldo Orlando da Costa, ou o Osvaldão. “Ele era muito conhecido entre moradores e chegou a ser líder do Destacamento B, um dos três instalados na região”, destaca. Havia ainda, segundo o pesquisador, os destacamentos A e C, e uma Comissão Militar. “Cada destacamento tinha, em média, 20 componentes e a Comissão Militar, entre 4 e 5 pessoas”, descreve Macêdo.

Além de Osvaldão, outra liderança negra que é destacada no estudo é a jovem Helenira Resende de Sousa Nazareth, ou simplesmente Helenira. Ex-estudante de Letras da USP nos anos 1960 e filiada ao PCdoB, ela se incorporou à guerrilha no início dos anos 1970. Além destes dois, outros participantes do conflito são citados no estudo, como Maurício Grabois, um dos fundadores do PCdoB, e Dinalva Oliveira Teixeira.

capa jornalNo seu estudo Macêdo conseguiu abordar, de forma mais aprofundada, nove guerrilheiros, negros e negras, que atuaram nos conflitos, além da forma como o cerco e repressão à guerrilha impactou diversas mulheres e homens negros moradores do Araguaia. Entre os guerrilheiros estudados, estão: Antônio de Pádua Costa (1943-1974); Dermeval da Silva Pereira (1945–1973); Dinalva Oliveira Teixeira (1945–1974); Francisco Manoel Chaves (1906 – 1972); Helenira Resende de Souza Nazareth (1944–1972); Idalísio Soares Aranha Filho (1947–1972); Lúcia Maria de Souza (1944–1973); Osvaldo Orlando da Costa (1938–1974) e Rosalindo de Souza (1940–1973).

Encantado

Osvaldão, além de exercer forte impacto junto à população local, era considerado por muitos como “um ser mítico”. E isso, de acordo com Macêdo, por ter estreita ligação com o terecô – religião afro-brasileira também conhecida como Encantaria de Bárbara Soeira ou Tambor da Mata – e os terecozeiros. “As tradições, costumes e práticas religiosas dos migrantes acabaram se incorporando à vida dos camponeses locais”, conta o pesquisador.

“No Araguaia, alguns dos guerrilheiros abordados mantiveram aproximação com os terecozeiros, que chegaram a dialogar politicamente com eles”, descreve o historiador em sua pesquisa. Esses terecozeiros, como ele lembra, também foram alvo das violências praticadas pelos militares contra a população tendo, inclusive, sua religião desrespeitada. Macêdo conta que o fato de Osvaldão ser considerado mítico e imortal pelos moradores do Araguaia pode estar relacionado a “encantamentos” ligados aos terecozeiros.

“Devemos lembrar que indígenas também foram objeto de violência dos militares, que os obrigavam, assim como aos camponeses, a serem guias do exército nas matas do Araguaia”, conta. Aliás, Macêdo fala de um episódio em que um indígena, guia do exército, foi obrigado a agredir uma terecozeira por ela ter se negado a fazer um ritual que atraísse Osvaldão.

Antes da guerrilha

O estudo de Macêdo também abordou a história da participação negra nas mobilizações comunistas no País. “Eu queria entender como se deu essa participação no PCdoB nos anos anteriores à guerrilha”, justifica. De acordo com o historiador, embora o PCdoB apresentasse uma centralidade na discussão sobre a classe e não contasse com pessoas negras nos níveis mais altos da estrutura partidária, diversas mulheres e homens negros tiveram destaque e apresentaram protagonismo entre seus quadros naquele período, principalmente entre o conjunto de guerrilheiros. 

1 Osvaldao

O pesquisador conta que mulheres e homens negros, integrantes da guerrilha, estão entre os mais recordados até hoje pelos moradores, assim como na literatura e produções audiovisuais que tomaram a Guerrilha do Araguaia como objeto. “Por vezes, esses personagens foram representados por um viés de heroicização, ou, em sentido inverso, acabaram alvo de estratégias negacionistas, que buscaram atenuar ou provocar o esquecimento dos crimes cometidos pela ditadura”, explica o historiador.

A pesquisa em Harvard

Macêdo conta que seu estudo foi um dos 16 selecionados – entre 119, de diversas partes do mundo – para apresentação no Class of 2020 Mark Claster Mamolen Dissertation Workshop, realizado pelo Afro-Latin American Research Institute at the Hutchins Center for African & African American Research (ALARI), vinculado ao Hutchins Center for African & African American Research, da Universidade de Harvard, nos EUA.

Trata-se, segundo o historiador, de um seminário de teses que reuniu doutorandos que abordam estudos afro-latino-americanos de diversos países. Dois capítulos da tese foram apresentados e debatidos, um de forma on-line (2021) e outro de forma presencial, nos dias 13 e 14 de maio de 2022. “Os custos da viagem foram arcados pelo ALARI/Harvard”, como conta o historiador.

Mais informações: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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Créditos:

Texto: Antonio Carlos Quinto. Fonte: https://bit.ly/3LWdQlw.

Foto 1: Exemplar da revista A História Imediata, com reportagem sobre a Guerrilha do Araguaia - Acervo pessoal do ex-deputado federal do PT José Genuino Neto.

Foto 2: Professor Janailson Macêdo Luiz - Arquivo Pessoal.

Foto 3: Recortes de jornais sobre a guerrilha do Araguaia - Acervo pessoal do ex-deputado federal do PT José Genuino Neto.

Foto 4: Guerrilheiro negro Osvaldo Orlando da Costa, ou o Osvaldão, era conhecido como um ser mítico - Acervo pessoal de Marta Costta.

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